24/05/2015 às 16h59min - Atualizada em 24/05/2015 às 16h59min

Quem não denuncia também violenta

Messias Furtado de Souza
Messias Furtado de Souza - Delegado de Polícia Titular de ANAURILÂNDIA – MS.

Infelizmente a Exploração Sexual infantil, não só no Brasil como também na maioria dos países subdesenvolvidos e em fase de desenvolvimento ainda é uma realidade; um mal que precisa ser efetivamente combatido e denunciado.

Estamos no mês de maio conhecido popularmente como o mês das mães e que por sinal foi o mês escolhido para mobilizar a nossa sociedade sobre os perigos desse câncer que assola não só as famílias envolvidas e as vítimas propriamente ditas como toda a sociedade.

Pra iniciar a nossa reflexão acerca do tema, que confesso, de início não me parecia tão palpitante, mas, que no decorrer do estudo se tornou interessante eu gostaria de fazer algumas singelas e oportunas observações que eu julgo bastante apropriadas para a ocasião.

A primeira delas é a de que muitas pessoas não sabem a diferença entre abuso e exploração sexual, eu também não sabia, mas, eu sei pesquisar, pesquisei e aprendi afinal os sítios de busca na internet também se prestam a esse fim agora já posso até ensinar.

A diferença entre abuso e exploração sexual é que o abuso sexual envolve contato sexual entre uma criança ou adolescente e um adulto ou pessoa significativamente mais velha e poderosa. As crianças, pelo seu estágio de desenvolvimento, não são capazes de entender o contato sexual ou resistir a ele, e podem ser psicológica ou socialmente dependentes do ofensor.  O abuso acontece quando o adulto utiliza o corpo de uma criança ou adolescente para sua satisfação sexual. 

Já a exploração sexual é quando se paga para ter sexo com a pessoa de idade inferior a 18 anos. As duas situações são crimes de violência sexual.

A segunda observação que tenho a fazer é a de que todos nós devemos estar alerta e sensíveis aos problemas da sociedade e que, bem pertinho da gente pode haver uma criança sendo vítima de abuso e nós não estamos notando essa ocorrência.

Sair da nossa zona de conforto uma vez ou outra e dar acara a tapa para combater um mal dessa natureza pode fazer toda a diferença e foi essa a razão que me levou a pedido da equipe do CREAS de Anaurilândia a enfrentar essa temática para preparar uma palestra acerca do assunto que aproveitei para escrever esse pequeno trabalho que, por padecer de rigor científico eu não ousaria chamá-lo de artigo.

 

A história nos mostra que ao longo dos tempos os mais diversos povos que formam a humanidade, a míngua de outras ferramentas mais eficientes das quais fazemos uso hoje para registrar e transmitir conhecimento, como é a imprensa escrita; os modernos recursos de mídia e a informática, o homem sempre se utilizou de símbolos e de alegorias para transmitir os seus ensinamentos.

E, pegando um gancho na experiência dos nossos antepassados, gostaria também de fazer uso de um símbolo e de uma alegoria para ilustrar essa reflexão e vou me utilizar de um caso que no Brasil se tornou um dos marcos mais emblemáticos e representativos da exploração sexual infantil que aconteceu no Estado do Espírito Santo no início dos anos 70 que é o “Caso Araceles’.

No dia 18 de maio de 1973, uma menina de oito anos foi seqüestrada, drogada, violentada e cruelmente assassinada no Espírito Santo. Seu corpo apareceu seis dias depois carbonizados nas proximidades de um hospital de propriedade da família dos suspeitos e os seus agressores, jovens de classe média alta, nunca foram punidos.

O aspecto interessante desse caso é que mesmo estando sob um regime que se considerava de exceção como aconteceu no Caso Araceles, no início dos anos 70, pode se fazer  algumas simples, mais importantes observações acerca do ocorrido:

Houve uma investigação, um bom trabalho da Polícia em que pese um dos principais investigadores ter sido assassinado; o trabalho da perícia realizada no caso foi  objeto de um congresso de criminalística naquela época e por derradeiro que o caso acabou se transformando numa  CPI na Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo o que fez com que ele tivesse relevante notoriedade.

No tocante aos aspectos do julgamento, no que compete à justiça de primeiro grau, embora o processo tenha demorado sete anos, o importante é que houve um julgamento e uma condenação, pois o crime aconteceu em maio de 1973, os réus foram presos em 1977, em 1980 foram condenados a 18 anos de prisão por um juiz monocrático, pois o caso foi registrado como rapto e não como homicídio e por essa razão não foi submetido a Tribunal Popular do Júri.

Importante que fique registrado, ainda que em apertadas linhas, a independência e o brilhante trabalho do juiz Hilton Sily, um homem de rara coragem e de notável saber jurídico. Um profissional do direito que foi capaz de sobrepujar as forças ocultas e as pressões políticas da ocasião. Porque todos nós sabemos que um processo que envolve suspeitos de famílias ricas e tradicionais, de muita influência política e de alto poder econômico, não é fácil de tocar, ainda mais num País, como o daquela época em que as liberdades fundamentais eram mitigadas e o Estado Democrático de Direito profundamente relativizado.

Mas, infelizmente como é muito comum nesses casos, a sentença do juiz de primeira instância foi anulada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo e foi nomeado outro juiz para analisar o processo. Esse segundo estudou o processo por cinco anos, escreveu uma sentença de 700 páginas e acabou absolvendo os réus e 20 anos depois. Em 1993 o processo foi arquivado.

O fator positivo e interessante de tudo isso é que quando a sociedade se mobiliza as coisas acontecem e voltando ao inicio dessa nossa reflexão quando nos reportamos aos símbolos e as alegorias o “Caso Araceles” para a exploração sexual infantil assim como outros casos, como o caso “Maria da Penha” para a violência domestica, a história de “Zumbi dos Palmares” para a consciência negra, esses são, os nossos símbolos e as nossas alegorias modernas que utilizamos para transmitir consciência e conhecimento.

Araceles hoje é nosso “Símbolo”; seu fim trágico, nossa “Alegoria”. Que sua história, escrita com droga, sangue, lágrimas, fogo e requintes de crueldade tenha o condão de nos alertar sempre. De que não devemos baixar a nossa guarda, na nossa luta diuturna no combate do mal que a vitimou de morte.

O “Caso Araceles”, propriamente dito e que é objeto de nossa reflexão, mercê de sua notoriedade foi escolhido pelo Congresso Nacional como o

lei N° 9.970, sancionada em 17 de maio de 2000 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso foi o marco histórico da vitória das entidades que atuam em defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes de todo o país.

Espero que este trabalho fruto de uma breve pesquisa na rede mundial de computadores somado à minha experiência empírica de policial civil ao longo de 25 anos que, repito,  não possui os predicados necessários pra ser chamado de artigo possa contribuir para enriquecer o debate acerca do assunto, bem como para conscientizar a sociedade e as autoridades sobre a gravidade dos crimes de violência sexual cometidos contra as nossas crianças.

Eu tenho pra mim que: precisamos pensar globalmente, mas agir localmente.  O “Caso Araceles” aconteceu há 40 anos, mas, infelizmente, situações absurdas como essa ainda se repetem no nosso meio, muitas vezes bem pertinho de nós. Sejamos vigilantes, pois, como diz a máxima, quem não denuncia também violenta.

Messias Furtado de Souza

É Delegado de Polícia Titular de ANAURILÂNDIA – MS.

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