04/02/2015 às 10h45min - Atualizada em 22/05/2015 às 14h56min

Escadinha revela que jogava futebol de várzea escondido de Bernardinh

Se o objetivo do vôlei é colocar a bola no chão, Serginho é uma espécie de goleiro em quadra. E que goleiro. O melhor da história: o cara que moldou como um atleta da posição deve jogar. Também conhecido como Escadinha, ele foi o primeiro dos líberos a levantar e se tornou um dos pilares da geração mais vencedora do vôlei masculino.

Nesta entrevista, Serginho conta que jogava futebol de várzea escondido de Bernardinho até o ano da Olimpíada de Atenas, em 2004. O jogador acredita que isto ajudou a ser um líbero melhor. O atleta também fala do passado difícil, de uma família que saiu do campo para tentar a sorte na maior cidade do país. Deu tudo certo, muito em parte por causa da formação que o afastou do crime. 

Escadinha ressalta: "Tive todas as estradas para me perder". Mas o medo e o respeito pela autoridade da mãe mantiveram o jogador na linha. Ele também dá sua opinião sobre os escândalos no vôlei e a indicação de um ministro dos Esportes que não entende do assunto.

UOL Esporte - Teu diferencial é a qualidade no passe e a defesa. Você consegue ler os movimentos do adversário e antecipar a jogada?
Serginho -
Eu acho que tenho um instinto, uma velocidade que dificilmente um jogador de vôlei tenha. Eu ainda com 39 anos consigo ser muito rápido. De uma certa forma acabo lendo o movimento, se o cara vai sacar curto.

UOL Esporte - Como fez para aproveitar essa rapidez?
Serginho -
Eu sempre joguei muito futebol. Eu estava na seleção (e) até 2004, um pouquinho antes da Olimpíada, eu tava jogando na várzea, ninguém sabia. Se o Bernardo soubesse disso ia me matar. E futebol é muita mudança de direção. Acabei levando isso para dentro da quadra sem querer. Hoje a maioria dos jogadores de voleibol torce o pé do nada, eu nunca tive este problema por ter jogado futebol. De vez em quando tem aquela folga e tô jogando escondido.

UOL Esporte _ Você escondeu isso do Bernardinho por quatro anos?
Serginho -
Sei que eu joguei muito. Eu vivo dentro dos campos da várzea quando estou de folga, no meu bairro sempre vendo jogo. Sempre jogava e uma hora falei: 'preciso parar'. E foi na época quando fui para Itália e isso ajudou um pouco. Se bem que lá jogava toda segunda. Nessa passagem de 2004 a 2008 tive que me segurar porque senão ia acabar me ferrando.

UOL Esporte - Você sempre é apontado com um cara que se superou. A fama é justa?
Serginho -
Olha, eu vou falar, eu me superei em muitas coisas na minha vida. Eu tinha nove meses de idade quando meus pais vieram para São Paulo com uma malinha de roupa e a gente acabou ficando em Pirituba. Meu pai conseguiu comprar um terreninho, sei lá, cinco de frente por 15, 20 de fundo. Conseguiu construir dois cômodos, casa de telha. A gente tem essa casa até hoje. Consegui através do voleibol dar uma casa para minha mãe. Falei: "mãe, essa casa aí vai ser nosso troféu, essa casinha que fui criado". A gente tem ela até hoje e, às vezes, quando estou meio pra baixo eu preciso passar na frente dela e essa casinha está lá, a mesma telha.

UOL Esporte - Ela simboliza tua raiz, lembra teu passado de luta?
Serginho -
Simboliza. A gente tem essa casa até hoje. Do mesmo jeito, o mesmo varalzinho que minha mãe colocava roupa pra secar, o mesmo muro, portãozinho. Os dois cômodos, o banheiro no lado de fora.

UOL Esporte - E um morador desta casa é escolhido o melhor jogador de vôlei do mundo em 2009.
Serginho -
 Tenho esse troféu lá em casa e pergunto o que este troféu está fazendo ali? Lembro que brinquei muito com o Dante, o Giba, o Murilo. "Meu, vocês jogaram tão mal que os caras tinham que arrumar alguém para dar e acabaram me escolhendo".

UOL Esporte - Como você foi parar no vôlei?
Serginho -
Comecei fazendo educação física na escola. Todo esporte com bola tive muita facilidade. Com 12 fui para um centro esportivo em Pirituba (bairro de São Paulo), fui fazer o teste no Palmeiras. Sou corintiano doente e fui fazer um teste lá com intenção de errar tudo, não quero ficar neste time. Mas acertei tudo e acabei ficando lá.

UOL Esporte - São 12 quilômetros de Pirituba ao Parque Antártica, devia ser um perrengue?
Serginho  - Eu ia, acabava o treino, ganhava um lanche e voltava para casa feliz. Estudava de manhã e ia treinar à tarde. Só ia para casa para dormir. Eu tinha que ajudar meus pais, trabalhava de office boy, mudei o período da escola para noite. Todo menino queria ser office boy, trabalhar numa empresa. Eu conseguia fazer tudo muito rápido e ia para o treino.

UOL Esporte - Você virou líbero porque parou de crescer?
Serginho -
Tinha um amigo meu, Chicão, que jogava comigo em Guarulhos e foi contratado pelo São Caetano. Quando surgiu a posição de líbero ele me indicou. Fui fazer o teste em São Caetano (SOS Computadores). Não parei mais. Dali fui para Suzano, time do Ricardo Navajas. Foi um salto muito grande de São Caetano para o time que dominava os anos 90.

UOL Esporte - Quando viu que ia dar certo a carreira de jogador?
Serginho -
Até hoje fico me perguntando. Meu sonho era ser jogador de vôlei e hoje meu sonho é parar (risos). Está difícil. Eu acho que quando eu fui para São Caetano fazer o teste de líbero. Eu passei no teste e lembro que na época ganhava em torno de R$ 250. Estou jogando vôlei, fazendo o que gosto e ainda ganhando um dinheiro, não tem como dar errado.

UOL Esporte - Aposto que os R$ 250 foram multiplicados quando foi para o Suzano?
Serginho -
Eu cheguei ganhando 10 vezes mais, consegui comprar um celular, porque até então eu tinha um orelhão na frente da minha casa.

UOL Esporte - E não demorou para a primeira convocação, como que foi?
Serginho -
Tocou meu celular, estava dirigindo, a Érica, uma repórter, me ligou e perguntou se eu tinha visto a convocação. Falei "ô Érica tô dirigindo, vou saber quem o Parreira convocou?" Ela disse, a de vôlei. Falei: "Érica não sei, não vi. Ele falou teu nome tá na lista". Deu um choque, o celular caiu no chão, quase bati o carro.

UOL Esporte - Por que tanta surpresa?
Serginho -
Não era possível meu nome estar na lista. Nunca vi o Bernardinho de perto, nunca me viu pessoalmente, cara não sabe que eu existo. Ela (Érica) falou: "é o seguinte: quando você for, a primeira camisa é minha". Chorando falei tá bom. Quando desliguei o telefone um monte de gente começou a me ligar. Minha mãe me ligou. Só fui acreditar mesmo quando fui me apresentar no Rio,.

UOL Esporte - Que passava na tua cabeça ao se juntar a monstros do esporte?
Serginho -
Meu, quando cheguei foi com muita fome, até porque eu tinha passado por dificuldade na vida. Agora minha minha chance e eu lembro que cheguei com aquela personalidade que chegava na várzea, de brigar, ganhar as coisas. Levei isso para dentro do voleibol. Quando cheguei na seleção brasileira falei: "agora ninguém me tira daqui não. O cara para me tirar daqui vai ter que fazer muito mais que eu. E eu sei que ninguém vai fazer muito mais que eu dentro da quadra, não vai treinar mais que eu".

UOL Esporte - Mas você passou a conviver com mitos, isso não intimidava?
Serginho  -
Foi assim mesmo. Eu lembro que quando cheguei no hotel no Rio de Janeiro fui fazer o check-in e a mulher falou: "senhor Sérgio você vai ficar com o Maurício Lima, ele tá no quarto tal." Ferrou, né? Aí eu fui pro andar, cheguei na porta e fiquei uns 10 minutos para apertar na campainha, para bater na porta porque o cara já tava lá dentro e eu morrendo de vergonha (risos). Eu ficava ali, eu ia na porta e não abria, ficava pensando meu Deus do céu, como é que eu vou apertar a campainha? Será que ele me conhece? Esse cara é campeão olímpico, melhor levantador do mundo. Aí eu tomei coragem, apertei a campainha. Ele abriu a porta, olhou pra mim assim e falei: 'ferrou'. O cara vai falar alguma coisa, me xingar. Chegou e pô, me deu um abraço. E na hora que ele me deu um abraço aí eu falei: "olha com quem que eu tô".

UOL Esporte - Você passou a conviver com o Bernardinho. Como treinar com ele foi importante no teu crescimento?
Serginho  -
Lógico que os treinos eram desgastantes, teve a parte que treinava na areia e desgastava muito. Chegava às 7h da manhã. Na quadra chegava às 6h30. O Bernardo sempre foi um cara que busca a perfeição. Quando vai dar treino ele tira tua vida. Você sabe que está treinando e está melhorando. O duro é treinar e não evoluir nada. É tempo perdido. Lembro que saía de cada treino com sensação muito boa porque tinha evoluído e o atleta tem que buscar isso. Aprendi isso com ele. Aquilo que fiz hoje não serve mais para amanhã.

UOL Esporte - E foi fácil para ele domar teu instinto de adivinhar a jogada?
Serginho -
Eu vou falar, briguei muito com o Bernardo. A gente brigava nos jogos, nos treinos. Ele falava dum lado e eu falava do outro. Mas você vai treinando e vendo que muitas coisas que faz dentro da quadra acaba falhando. E uma pessoa de fora vendo, que está te analisando, convive com você enxerga coisas que o atleta não enxerga. E a gente vai envelhecendo e vai vendo que a menor distância entre dois pontos é uma reta.

UOL Esporte - Você se imaginou mais sendo jogador de futebol ou de vôlei quando era garoto?
Serginho -
Sério, sempre me imaginei jogando no Corinthians, tenho esse sonho de jogar um dia voleibol pelo Corinthians. Nunca deixei, sempre tive. Eu uso a 10 por causa do Neto, já falei para ele que é um ídolo que eu tenho no esporte. Ele, Marcelinho Carioca. E eu falei para ele, uso a 10 por tua causa. Eu um dia vou jogar lá. Joguei pelo Palmeiras e tenho que jogar pelo Corinthians pelo amor de Deus (risos).

UOL Esporte - Qual o tamanho da tua ligação com o clube?
Serginho -
Eu frequentava muito a quadra da Gaviões da Fiel, tenho amigos lá dentro. Dou daquele corintiano mesmo.

UOL Esporte - Teu começo em São Paulo foi num bairro carente. Foi tua formação que te manteve longe de tentações?
Serginho - Cara, meu bairro quando eu cheguei ali anos 90 era muito perigoso. Hoje tá mais tranquilo. Eu perdi muitos amigos assim, amigos da minha rua que eu jogava bola juntos. Perdi até porque eles escolheram este caminho. E eu tinha cara, eu tinha tudo para entrar nessa vida, mas tudo mesmo. Tava tudo na minha frente, eu andava com os caras, mas eu tinha um medo da minha mãe que falava: "se fizer coisa errada..." Até hoje se minha mãe falar "a gente precisa conversar" ferrou. Nunca mais ela falou.

UOL Esporte - Como isso aparecia no teu dia a dia?
Serginho -
Teve uma época que eu ia jogar bola e saía briga e de repente a gente tinha que deitar no chão porque o caras tavam atirando. E hoje eu conheço muita gente que tá envolvido e é uma pena. Mas eu tive todas as estradas para me perder, mas graças aos ensinamentos dos meus pais eu não quero isso para minha vida não. Dinheiro fácil não dá certo.

UOL Esporte - Você tem uma data para aposentadoria?
Serginho -
Eu já falei que eu não tenho prazo de validade. Enquanto minhas pernas aguentarem, minhas costas aguentarem e eu tiver fazendo por amor e jogando em alto nível não vou parar. Na hora que eu ver que não consigo mais, que tô atrapalhando com certeza eu vou parar. Agora chega, obrigado voleibol. Mas por enquanto...

UOL Esporte - E você não pensa que um esforço para continuar jogando pode deixar sequela e atrapalhar tua qualidade de vida para o resto da dias?
Serginho -
Eu penso nisso e muito. Tanto que me cuido bastante. Sou um cara que nunca bebi, nunca fumei, nos intervalos dos treinos da manhã para tarde tem que dormir depois do almoço. Eu penso sim, quero jogar meu futebol depois que parar com o vôlei.

UOL Esporte - Qual sua opinião sobre Ary Graça, ex-presidente da CBV envolvido em escândalo de corrupção?
Serginho -
Eu nunca tive problema algum, tanto que quando machuquei as costas ele me deu todo suporte até porque tava servindo a seleção brasileira. Agora, apareceram essas denúncias e tão sendo comprovadas e eu não vou aceitar jamais, não posso ser de acordo. Pelo que eu conheci dele, quando era presidente da CBV nunca virou as costas para mim, mas hoje com essas denúncias eu não posso estar feliz. Não posso compactuar com uma coisa dessas.

UOL Esporte - E o ministro dos esportes, George Hilton, que assumiu não entender do assunto?
Serginho -
Assim, respeito, mas se não entende sai. Dá lugar para outro. Jamais vou assumir uma coisa que eu não sei fazer, jamais vou assumir uma responsabilidade que eu não tenha condições de cumprir, de honrar com meus compromisso. Seu eu não entendo do assunto eu saio, se ele não entende saí fora.

UOL Esporte - A culpa é só dele ou também é de quem convidou?
Serginho -
De quem convidou também, sai fora. Atleta sofre demais para representar o país. Não tô falando do atleta de voleibol, tô falando do atleta geral. Pessoal do handebol, atletismo, basquete, esgrima, Laís Souza. O que esses atletas sofrem para representar nosso país! Então gente assim eu lamento, sinceramente chega a ser uma vergonha. Nossa, melhor ficar quieto.


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