05/02/2015 às 14h28min - Atualizada em 22/05/2015 às 14h56min

Beijo à força: mulher que se sentir agredida pode denunciar; ato dá cadeia

Correio 24h

Daqui a uma semana, sob o calor forte e algumas latinhas de cerveja, foliões ficarão à vontade para beijar muito em meio à multidão dos circuitos do Carnaval. Mas o que muita gente não sabe — e tem muito marmanjo por aí que é bom que saiba — é que  forçar uma mulher a dar um beijo pode dar cadeia.

“Se não existir a vontade de ambas as partes, o caso pode parar na delegacia”, enfatizou a delegada Vânia Seixas, titular da Delegacia Especial de Atendimento  à Mulher (Deam) de Periperi.
Para quem não sabe da norma, o novo Código Penal (Lei nº 12.015/2009), em seu Artigo 213, determina que “constranger alguém mediante violência ou ameaça a ter conjunção carnal ou a praticar outro ato libidinoso” é punível com reclusão de seis a dez anos de cadeia.

A lei praticamente extingue as distinções entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor do Código Penal anterior. “A mudança surgiu mais por causa dos crimes hediondos, na tentativa do aumento de pena. A  maioria dos legisladores acredita que, com o aumento da pena, o agressor tenha medo de incidir na prática de crime, que vai ficar mais tempo preso. Hoje, a prisão é de seis a dez anos  por estupro”.

Aos incrédulos, a Defensoria Pública da Bahia entrou, na terça-feira, com um recurso de apelação na 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) para impedir que George de Souza Silva, 33 anos, cumpra sete anos de prisão por ter beijado à força e ameaçado uma mulher no dia 9 de fevereiro de 2008, no período de Carnaval. Na época, ele já chegou a ficar um ano preso.

Roubo x força
Apesar do exemplo acima, a delegada, que trabalhou nos três últimos carnavais coordenando Centrais de Flagrantes na Piedade e Barra, nunca soube de registro de ocorrência por causa de beijo forçado.

“Acho que o Carnaval já tem esse espírito. A juventude conta quantos beijos deu. O povo já vai para a rua dizendo: ‘Vou beijar muiiiito’”, disse a delegada, deixando em evidência que, na maioria dos casos, o beijo é roubado ou consensual.

Ela afirma que há uma diferença entre beijo “roubado” e “forçado”. “No beijo roubado, você pega a pessoa de surpresa, enquanto o forçado você usa da força para obrigar a pessoa a ser beijada”, explica a delegada. Apesar disso, ela esclarece que a diferenciação ficará a cargo do delegado e da Justiça.  “A diferença entre os dois está no julgamento, que vai depender do entendimento do delegado e do juiz em relação ao acontecido. Vai depender também do grau de lesão e do trauma causado na vítima”.

Campanha
A secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Olívia Santana, disse que o órgão lançará, no dia 11, uma campanha cujo objetivo é conscientizar a população, principalmente os  homens, para garantir a segurança e a integridade física e psicológica das mulheres nesse Carnaval.
“As mulheres têm direitos a sua integridade física, moral, sexual. Agarrar uma mulher para conseguir um beijo, submetendo à situação de constrangimento, é uma violação de seu direito”, explicou ela.

A secretária acredita  que a condenação de George possa servir como marco simbólico. “Para que os homens machistas entendam que não podem ter a mulher contra sua vontade. Paquerar é uma coisa, avançar o sinal é outra. Isso aí é intolerável…”, analisou.

Para Santana, o beijo forçado é o início de uma agressão mais séria. “É primeira etapa do estupro. O homem pega a mulher e beija forçadamente. Ela tenta se defender, mas o homem é mais forte e a imobiliza.... É uma situação que a gente não pode tratar como uma coisa menor. Na medida que a gente banaliza, a gente dá validade a uma ação para o estupro”, avaliou.

Opinião
A professora de ioga Nara Dourado, 25 anos, que sai todos os anos nos circuitos da folia, concorda. “O estupro não é só o ato sexual. Qualquer invasão no seu corpo, sem seu consentimento, é estupro. Acontecem casos agressivos no Carnaval. Já ouvi casos bizarros, de meninas que foram colocadas dentro de uma roda de homens e obrigadas a beijar alguns dos caras para poder sair”, comentou.

Já a empresária Mariana Berenguer, 35 anos, que dispensa qualquer convite de viagem no Carnaval para poder curtir atrás dos trios, é a favor da paquera e acha a pena de George excessiva, mas destaca que é importante diferenciar e condenar quando houver violência.  “Uma coisa é ter uma paixonite de Carnaval, se divertir, curtir com alguém. Outra bem diferente foi a atitude desse rapaz (George). Ele ameaçou, coagiu a moça. Nada justifica. Só não sei se concordo com uma pena tão longa”, diz a empresária Mariana.

George
O caso de George aconteceu por volta das 11h  do sábado de Carnaval, quando a vítima - que teve a identidade preservada - passava pela Rua Banco dos Ingleses, no Campo Grande. George a agarrou pelo pescoço e a beijou na boca à força. Em seguida, ele insinuou que portava uma arma, forçando a vítima a abraçá-lo, para que as pessoas ao redor não desconfiassem da violência.

A moça conseguiu se desvencilhar e pediu socorro em um prédio. Em seguida, registrou ocorrência e a polícia localizou o acusado, que no momento da prisão identificou-se como Josias de Souza Silva. Na época, George ficou um ano preso  e foi solto para responder em liberdade.
No dia 15 de setembro de 2014, a juíza Silvia Lúcia Bonifácio Andrade Carvalho, da 6ª Vara Criminal, condenou George a sete anos de reclusão, pelo crime de estupro.

Defesa
A Defensoria recorreu da decisão,  alegando que George teria cometido o delito de beijo lascivo e que o mesmo não poderia ser enquadrado  como  estupro, crime considerado hediondo, mas como crime contra a liberdade pessoal, cuja pena é de três meses a um ano de prisão.

Em 19 de janeiro, porém, a 2ª  Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA)  manteve a decisão da primeira instância. Na terça-feira, então, a Defensoria entrou com nova apelação para revisão do pedido de pena. George aguarda a decisão  em liberdade.


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