02/03/2015 às 07h35min - Atualizada em 22/05/2015 às 14h56min

'Lá no Brasil é proibido. Aqui no Mato Grosso do Sul, não!'

Brasil Notícias

A frase que dá título ao presente material parece um tanto fora do contexto, porque quem estudou o mínimo de Geografia sabe que o Mato Grosso do Sul é um Estado da Federação Brasileira que se encontra na Região Centro Oeste, conta com 79 municípios e cuja Capital é a cidade de Campo Grande.

Mas, quando o assunto é jogo do bicho, uma prática caracterizada como contravenção penal e realmente praticada “na surdina” em outros estados brasileiros, o Mato Grosso do Sul de fato parece ser outro país, com legislação própria que permite a jogatina abertamente.

O grande diferencial do jogo do bicho praticado em Mato Grosso do Sul em relação ao congênere praticado em outras regiões do país, é que, enquanto em outros estados o “bicho” financia o tráfico de drogas e armas para o crime organizado, aqui os controladores da jogatina de fato praticam ações sociais. 

Além de serem considerados patrões exemplares e de terem transformado o jogo do bicho na instituição mais acreditada do Estado, os “bicheiros” realizam, entre ações que acabam nas colunas sociais, campanhas do agasalho e de distribuição de cestas de ovos de páscoa e de cestas de Natal e Ano Novo. 

Na estação do inverno, por exemplo, todos os “apontadores” de jogos são contemplados com, no mínimo, um cobertor para enfrentar os dias de baixas temperaturas. Outros mais necessitados chegam a ganhar roupas e agasalhos para enfrentar o período curto do inverno.

Nos dias que antecedem o Domingo de Páscoa é bastante corriqueiro se ver fotografias de uma conhecida “senhora” da sociedade campo-grandense percorrendo os bairros mais pobres, vestida a rigor, e distribuindo cestas com ovos de chocolate que fazem a alegria das crianças de famílias menos abastadas, cenas que se repetem no final do ano, nas semanas que antecedem os dias de Natal e Ano Novo.

CONHECIDOS

O jogo do bicho é comandado por duas famílias em Mato Grosso do Sul. Ambas bastante conhecidas e com ramificações nos meios políticos, empresariais e até no mundo jurídico.

Para contemplar as duas famílias sem que haja disputas violentas, como ocorrem em outros estados, o Mato Grosso do Sul foi dividido em duas partes distintas, sendo que um comando fica em Campo Grande, onde o “comandante” detém o direito à exploração do jogo do bicho na Capital e municípios metropolitanos e das regiões Norte e Leste do Estado. A segunda central fica na cidade de Dourados com “jurisdição” sobre todo o Sul e Oeste de Mato Grosso do Sul. 

Arquivo/Internet

BANCA DO BICHO 2.jpg

BANCA DO BICHO 2.jpg

 Banca fechada em rua de Campo Grande.

Tanto o “bicheiro” de Dourados quanto o de Campo Grande são conhecidos da população e, acredita-se, da própria Polícia. 

Se uma pesquisa for feita junto à população da Capital, por exemplo, perguntando quem controla o jogo do bicho na cidade a quase totalidade dos entrevistados responderia o mesmo nome. Ou seja, as autoridades podem até “fazer vistas grossas”, mas a população fala convicta o nome de quem entende – e respeita muito por honrar todos os compromissos da instituição – ser o dono da jogatina na Capital do Estado.

TODO MUNDO JOGA

A grande verdade é que, enquanto em outros estados o adepto de uma “fezinha” tem de se esgueirar criminosamente para fazer um joguinho no grupo, duque de dezena, passe, terno de grupo, centena ou na milhar, em Mato Grosso do Sul a ”coisa” é feita abertamente.

“Lá no Brasil é proibido. Aqui no Mato Grosso do Sul todo mundo joga. Até polícia joga” diz um apontador do jogo do bicho que só não deixa publicar o nome ou mostrar o rosto porque conhece a legislação e sabe que o jogo ainda é uma contravenção penal, apesar da prática aberta no Estado.

“Se eu deixar você me fotografar, perco o emprego, corro o risco de responder um processo. Mas falar eu posso, desde que você preserve minha identidade: aqui na minha banquinha vem todos os dias policiais fardados fazer a fezinha na maior moral” afirma o apontador que atua na região central de Campo Grande.

O jogo é tão aberto em Campo Grande que na Avenida Júlio de Castilhos, onde estão localizadas duas das mais importantes delegacias policiais do Estado – a da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal – há as famosas “banquinhas laranjas” distribuídas ao longo do passeio público, nas quais os seus donos apontam o jogo do bicho e comercializam cartelas do “Pantanal Cap”, um título de capitalização que repassa parte da sua arrecadação para a APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. 

Arquivo/Internet

BANCO BICHO EM DOURADOS.jpg

BANCO BICHO EM DOURADOS.jpg

 Em Dourados as bancas são “amarelinhas”.

Todo mundo sabe em Mato Grosso do Sul que o Pantanal Cap é controlado pela mesma família que comanda o jogo do bicho em Campo Grande. A diferença é que o Pantanal Cap é devidamente autorizado pelo Governo Federal e seus sorteios são fiscalizados pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados. 

COLUNAS SOCIAIS

Outros fatos que diferenciam os hipotéticos contraventores do jogo do bicho de Campo Grande de seus colegas do Rio de Janeiro, por exemplo, é que enquanto aqui os donos da jogatina são fotografados abraçados com juízes, desembargadores e até conselheiros do Tribunal de Contas sem qualquer constrangimento, lá no Rio os bicheiros vivem às escondidas e de quando em quando passam algumas noites na cadeia.

Em síntese, aqui, as colunas sociais dos principais jornais semanários de Campo Grande, que são distribuídos gratuitamente nas manhãs de domingo na esquina da Avenida Afonso Pena com a Rua 14 de Julho, estão sempre recheadas com fotografias dos figurões das Cortes Sul-mato-grossenses com essas personalidades que conseguiram transformar o que é contravenção penal em outras regiões do Brasil numa indústria de empregos – o jogo do bicho emprega mais de 4.000 pais de família em Campo Grande -, num instrumento de ação social e, principalmente, numa instituição que se tornou a de maior credibilidade de todo o Estado. 

O jogo de bicho em Mato Grosso do Sul, na verdade, deveria ser tomado como exemplo pelo governo brasileiro no caso de se resolver discutir a legalização da “fezinha” no Brasil.


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