Todo mundo já teve um desentendimento com algum vizinho pelo menos uma vez na vida. Mas a falta de conversa chega a produzir cenas inimagináveis. No bairro Santo Amaro, na rua Presidente Nilo Peçanha, uma mulher resolveu deixar um recado em seu portão para que os vizinhos que, nas palavras dela, são “línguas pretas”.
Ela mesma pichou com letras enormes e tinta escura a própria casa com a frase: “Cuida da sua vida porque da minha cuido eu. Vá para o quinto dos infernos”.
A escrita foi feita há dois meses e ganhou as redes sociais de Campo Grande. Por isso decidimos descobrir o que levou a dona da casa a uma reação tão inusitada. “Tem muita gente cuidando da minha vida aqui na rua, quero que eles entendam o recado”, afirma a autora do desabafo, que, apesar de não ter papas na língua, não quis se identificar.
Mesmo garantindo que o recado é para várias pessoas, parece que ele é mais direcionado a um casal que mora em frente à sua casa. Segundo a outra vizinha os dois vivem se intrometendo na vida dos outros.
“Uma vez ele até me denunciou para o CCZ porque meus cachorros estavam latindo demais. Não tem como calar os cachorros, passam outros na rua eles latem, mas não é o dia todo. Eles vieram aqui mas não levaram meus bichos”, relata a mulher que mora ao lado da casa do portão com o recado.
A dona do desabafo conta que não pode nem ir ao mercado ou à farmácia que eles querem saber o que ela foi fazer, comprar, onde foi. “Eles cuidam muito da minha vida. Se chega alguém aqui em casa querem saber quem é, o que veio fazer, porque o vidro do carro é fumê, precisam do relatório completo. Por isso escrevi isso”, justifica.
Segundo ela, este foi o primeiro aviso. Ela vai pintar o portão e retirar a escrita. Mas avisa que se voltarem a cuidar de sua vida ela colocará o recado novamente em vermelho. “Eu moro aqui há 30 anos, não irei me mudar, gosto daqui, mas isso me incomoda profundamente”, justifica.
A vizinha a parabeniza pela coragem. “Nós e eles (os vizinhos da frente) moramos aqui há 30 anos e sempre tivemos este problema. Se eu tivesse um portão fechado faria isso também. Essa fofoca tem que parar”, lamenta.
Elas esperam que a situação mude de agora para a frente, mas não estão muito otimistas. “Se não mudou hoje acho que não muda mais. Só quero resolver tudo pacificamente, com ou sem o recado”, promete a mulher indignada.
Do outro lado dessa confusão, a família alvo da pichação diz que não entende o motivo de tamanho protesto. “Eu que moro aqui há 30 anos e eles são vizinhos de aluguel. Então eu não sei porque, às vezes acho que seja pra mim (a pichação), mas sou evangélica, graças a Deus, não faço mal a ninguém, só faço ajudar as pessoas".
Conviver com o desaforo estampado na frente de casa tem tirado o sossego dos vizinhos. "Envelheci 30 anos com essa letra na frente, deve ter uns dois meses, eu sofro muito, de ver esse negócio na frente da minha casa, queria tanto vender aqui e ir embora. Nunca brigamos, mas é uma situação chata”, diz a senhora de 60 anos.
Nesse bate-boca, a única pessoa que autorizou ser identificada não fala muito, apenas resume o histórico da briga. “São moradores antigos, agora que eles se encrencaram”, diz Ligia Machado, 70 anos, auxiliar de enfermagem, que mora duas casas depois do portão pichado.
Pelas ruas, encontramos muitos casos de briga entre vizinhos. Alguns são tão pessimistas sobre viver em comunidade que acabam se distanciando para não ter dor de cabeça."Sempre tem quem cuida a vida dos outros, mas eu vou 5h30 da manhã para o ponto de ônibus, saindo para trabalhar e volto 14 horas e já entro para dentro de casa, não tenho contato com vizinho até para evitar", Aparecida Aquino, 40 anos, funcionário de hospital, mora no Aero Rancho.
Há gente que resolveu impasses apelando até para a justiça, mas sem bate-boca ou uma palavra mais exaltada contra o vizinho. “Minha casa, pulando dois terrenos, tem lugar que funciona 24 horas e tem som muito alto. Eu acionei a polícia via fórum e movi uma ação baseado na Lei da Pertubação de Ordem e sossego. Eu tive que mover três processos. Eu nunca discuti. Falta bom senso da parte de quem vai promover a perturbação, antes de tudo você tem que respeitar o vizinho. Eu moro em apartamento e meus filhos não fazem barulho”, conta Carlos Spinosa, 47 anos, administrador de banco de dados.