30/11/2015 às 08h17min - Atualizada em 30/11/2015 às 08h17min

Leão avisa que não quer mais ser técnico, detona Dunga e fala de São Paulo, Corinthians, Palmeiras e Santos

- YAHOO

Um dos técnicos mais conhecidos e contundentes do futebol brasileiro está abandonando a carreira. Emerson Leão se cansou da sujeira, dos desmandos e do vexame dado pela seleção brasileira e pelos dirigentes da CBF. “Sempre recebo proposta para voltar, mas nenhuma delas me fez mudar de ideia”, revela o comandante da seleção brasileira de 2000 a 2001. Leão não se senta no banco de reservas desde 25 de outubro de 2012, quando o São Caetano o demitiu. Antes, havia treinado 21 clubes, com a incrível marca de ter passado por todos os grandes de São Paulo.

Nesta entrevista exclusiva, Leão foi tão ácido como de costume. Recusou-se, por exemplo, a responder o que pensa sobre Dunga como técnico da seleção. Também colocou o dedo em diversas feridas, como a do São Paulo, que vive sua pior crise política na história, contou que quase trabalhou como diretor do Palmeiras no ano passado, encheu a bola do Corinthians, relembrou sua passagem pelo Santos…

BLOG_ Você não trabalha como técnico há três anos. Ainda pensa em voltar?
EMERSON LEÃO_ É uma decisão minha: no Brasil, não trabalho mais. E acho difícil que uma proposta, ainda que de fora, me seduza para voltar. Teria de ser algo ótimo, com projeto, sem essa de tapar buraco.

Por quê?
Quando eu ando na rua, várias pessoas me pedem para voltar, dizem que gostam do meu trabalho. E acho gostoso ouvir isso, mas me decepcionei demais com tudo. Ver nosso país envergonhado pelo futebol que tem é muito triste.

Mas essa foi a gota d’água?
Não é o suficiente? Depois do 7 a 1 na Copa do Mundo, ainda temos escândalos na Fifa, nas federações, com direito a pessoas presas. Se eu voltar, prefiro que seja na condição de diretor de futebol, dando respaldo ao treinador.

Recebeu propostas durante o período de desemprego?
Claro que recebi. A última, inclusive, foi na quinta-feira. Um clube do mundo árabe queria me pagar em dólar. Seria bastante dinheiro, mas disse que não posso deixar o país até o meio do próximo ano. Preciso acertar coisas particulares.

O que pode ser mais importante do que sua carreira?
Tenho uma fazenda em Barra do Garça, no Mato Grosso, e cuido de uma série de coisas lá: tem colheita de soja, pecuária avançada…

E você é quem cuida dessas coisas na fazenda?
Sou eu, sim. O dono tem de estar sempre próximo, senão, as coisas não saem direito. Passo dez dias por mês na fazenda e os outros 20 em São Paulo.

Você falou agora há pouco do sentimento de vergonha. Também tem a ver com a fama de sujo que o futebol tem?
Com certeza. As pessoas sabem da minha índole, então, nunca alguém teve peito de me oferecer dinheiro para escalar alguém. Mas até comigo já falaram de maneira indireta, como que induzindo. Com a história de que tem um presentinho.

Recebeu algum presente?
Claro que não. Um vez, quando eu trabalhava no Japão, soube que tinha um empresário querendo levar seu atleta para lá. Ele pediu para o jogador falar comigo. Então, o cara veio com um papo de que deixaria as luvas da negociação para mim, caso o negócio desse certo. Na mesma hora, eu respondi: “Você acabou de perder o emprego”. Preferi contratar um outro jogador, que deu muito certo.

Em março de 2013, o então presidente do Sport, Luciano Bivar, falou que pagou para o Leomar ser convocado para a seleção, quando ela era dirigida por você, em 2001.
Eu entrei em contato com ele assim que soube da história e o Luciano garantiu que não era nada daquilo que ele havia falado. Ele disse que tinha sido mal interpretado.

E ficou por isso mesmo? Não pensou em processá-lo?
Eu não processo ninguém. Resolvo as coisas de outra maneira, olho no olho. E ele sofreu as punições no âmbito esportivo (foi suspenso por 180 dias de suas funções como dirigente pelo STJD).

Acredita que alguém pague para um jogador ser convocado para a seleção?
Se tiver, tem de prender e nunca mais soltar.

Como vê o fato de o Marco Polo Del Nero, presidente da CBF, não poder acompanhar a seleção nos jogos fora do país, por medo de ser preso?
Eu me surpreendo, porque ele sempre foi ativo, presente. E essa situação é muito ruim para a seleção e para o país, que fica com essa imagem no exterior.

O que pensa sobre o Dunga como técnico da seleção?
Você está de brincadeira de me perguntar isso, né?

Por quê?
Prefiro nem responder.

Se fosse o presidente da CBF, quem seria seu treinador?
Primeiro que eu nunca seria presidente da CBF. Depois, do jeito que as coisas vão, a gente terá de esperar por muitos e muitos anos para recuperar a hegemonia do futebol mundial. Está tudo bem errado.

Os técnicos brasileiros estão desatualizados?
Não existe isso. Temos técnicos bons, mas eles ficam muito isolados. Acho que falta alguém para dar suporte. Alguém experiente, que seja o elo entre a diretoria e a comissão técnica, que filtre as coisas.

Em 2005, você deixou o São Paulo como campeão paulista para trabalhar no Japão. Meses depois, o Tricolor ainda ganhou o Mundial. Arrependeu-se da mudança?
Você nunca se arrepende quando faz o bem. Eu tinha uma dívida de gratidão com um amigo japonês e ele precisava de mim comandando o time dele. Então, ponto-final.

Considera-se campeão mundial?
Não me considero. O mérito é do Paulo Autuori e dos jogadores. Embora o Paulo tenha me ligado meses depois de ser contratado para falar que não precisou mexer em quase nada do time (risos).

Qual a explicação para a atual crise do São Paulo, com direito a renúncia do presidente, brigas internas, atraso de salário?
Não sei, porque não estou lá dentro. Mas o Marcelo Portugal Gouvêa (presidente no ano do tri mundial) deve estar fazendo uma falta louca. Ele era gente boa, correto, honesto, um exemplo de homem. Eu pensei que já tivesse visto de tudo, mas percebi que a lama de Mariana tem muito lugar para percorrer ainda.

Depois da vitória por 1 a 0, na quarta-feira, dá para cravar o título para o Santos na Copa do Brasil?
Eu vi um jogo igual na Vila. Tanto que qualquer um poderia ter ganhado. O Santos teve seu apogeu semanas atrás, assim como o Palmeiras. Eu não aposto em ninguém. Ambos podem ganhar.

Você foi especulado como diretor do Palmeiras em 2014. Por que não deu certo?
O Dorival Júnior havia conversado comigo. Ele queria sugerir meu nome para a diretoria do Palmeiras e eu disse que a ideia me agradava. Só que nunca ninguém da diretoria me ligou. Então, o assunto morreu.

Qual foi o melhor trabalho da sua carreira?
Não dá para avaliar um só. Gostei muito do trabalho que fiz no Sport, quando estreei como treinador. No Santos, com os Meninos da Vila. Quando salvei o Internacional do rebaixamento. No Juventude…

Qual o jogador mais genial com quem trabalhou?
O Romário, que valia quanto pesava e quanto media. O Robinho, naquela época de 2002, também era genial.

E qual o mais problemático?
Eu não tinha muitos problemas com isso, porque, quando chegava ao clube, esses caras já saíam. Mas tem uma história engraçada: encontrei o Dutra no Santos. Em um primeiro momento, ele era titular. Depois, o time melhorou e eu o liberei. O tempo passou e fui para o Sport. Quem eu pedi? O Dutra, que arrebentou lá.

Você fazia papel de paizão no Santos dos Meninos da Vila?
Eu tinha de ensiná-los a crescer. O Robinho, por exemplo, tinha muito a aprender. Ele não gostava de entrar na área, não sabia cabecear, não cortava para dentro e batia com a perna esquerda… A diferença é que, com três aulas, ele já fazia melhor do que você.

Você nunca escondeu o carinho pela Portuguesa. Teme que ela feche as portas mediante toda a crise?
Toda vez que vejo alguma notícia, me dói, porque aprendi a gostar da Portuguesa. Nas duas vezes em que trabalhei lá, fui com prazer. Espero que a comunidade portuguesa, com todo seu know-how, ajude o clube a se reerguer.

Tem algum amigo no mundo do futebol?
Diria que, em 50 anos de carreira, não tenho amigos suficientes para completar duas mãos. Não há tempo de convívio.

Agora, quando o assunto é desafeto, são muitos, não?
Deve ter muita gente que eu nem sei que é desafeto. Mas tem o outro lado também: atleta que me chama de pai até hoje. Dias atrás, o Grafite me ligou para bater papo.

Do que você mais sente falta no futebol?
Da liberdade para trabalhar, da possibilidade de ajudar pessoas, de ver a conduta do ser humano…

Qual o melhor dirigente com quem trabalhou?
Gostava muito dos dirigentes do Palmeiras na época em que eu era jogador. Eram grandes homens, de respeito, que nós todos admirávamos. Hoje, a coisa mudou muito.

Para fechar, como viu o título do Brasileirão conquistado pelo Corinthians?
Foi merecido e com passadas largas. Essa história de que o campeonato está manchado é a maior besteira do mundo. O Corinthians ganhou na regularidade, na imposição de seu esquema tático e na sua formação de equipe. E olha que o time perdeu nomes importantes ao longo do ano.


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