O Whatsapp se transformou em um problema para as quatro grandes operadoras de telecomunicações do país, a ponto de virar alvo de acusações por parte do presidente da maior delas.
“O fato de existir uma operadora sem licença no Brasil é um problema”, afirmou Amos Genish, presidente da Vivo, no começo de agosto, para o jornal Folha de S.Paulo. Para Genish, o WhatsApp “vai contra as leis brasileiras” e, por isso, é “pirataria pura”. “Não tenho nada contra o WhatsApp, que é uma ferramenta muito boa, mas precisamos criar regras iguais para o mesmo jogo”, disse.
Genish não é uma voz dissonante. No seu desabafo, o executivo israelense verbalizou algo que boa parte dos executivos do mercado nacional de telecomunicações vinha remoendo há meses: ao oferecer de graça mensagens e chamadas de voz, o WhatsApp está colocando em risco a lucratividade de Vivo, Oi, TIM e Claro, as maiores operadoras de telecomunicações do país.
É uma história que o mercado de tecnologia já viu se repetir incontáveis vezes: uma inovação rompe o modelo de negócios antigo e deixa os players estabelecidos em posição de defesa – nesse caso, as operadoras. Elas gastam bilhões de reais para instalar e atualizar redes de transmissão de dados, com milhares de antenas espalhadas pelo país. É um processo caro e demorado, mas que se pagava, até a chegada da internet. Assim como o Skype derrubou o faturamento com chamadas internacionais, os aplicativos de mensagem apareceram, em 2010, como uma ameaça às receitas obtidas com mensagens de texto ou multimídia (SMS e MMS, respectivamente).
O chororô tem relação com a popularidade do WhatsApp no Brasil. Oficialmente, a empresa não fala sobre a quantidade de usuários no país. A última vez que revelou um número foi em abril de 2014: 45 milhões. Jan Koum, cofundador e CEO do WhatsApp, diz que, se representado em um gráfico, o crescimento no Brasil subiria verticalmente. Ou seja, o placar deve estar muito acima disso. Procurado, o WhatsApp não respondeu aos contatos.
Uma febre no Brasil
O aplicativo virou uma instituição no país. As pessoas não dizem que vão enviar uma mensagem aos amigos, mas sim “mandar um WhatsApp” – ou ZapZap, apelido descolado (e bem mais fácil de pronunciar) que o app ganhou por aqui. Famílias estão mais acostumadas a discutir seus problemas em grupos no app do que na mesa do almoço de domingo. Nas eleições de 2014, Aécio Neves e Dilma Rousseff gravaram vídeos exclusivos para o app e criaram grupos nos quais seus correligionários pudessem interagir. Nas periferias de São Paulo, Rio de Janeiro e Belém, bandos de criminosos determinaram toques de recolher com áudios distribuídos pelo WhatsApp. A Polícia do Rio de Janeiro fez do app um canal do Disque-Denúncia para receber dicas anônimas que levassem à captura desses mesmos bandidos. Na pequena cidade de Presidente Médici, em Rondônia, um juiz mandou uma intimação por mensagem. Durante a Copa do Mundo, a Seleção montou um grupo reservado só aos 23 atletas convocados – técnico, comissão técnica e familiares não eram permitidos. Jornais e revistas criaram números só para receber, dos leitores, fotos e vídeos com potencial de estampar a próxima capa.
Cada gravação de voz, chamada, envio de foto ou mensagem curta de cada brasileiro no WhatsApp é um serviço a menos que a operadora cobra. Tanta gente assim usando o aplicativo, em algum momento provocaria um impacto nos balanços das operadoras. A conta chegou neste ano. No primeiro trimestre de 2015, o brasileiro falou, em média, 111 minutos ao celular, segundo dados da Anatel, queda de 15,6% em relação aos últimos três meses de 2014. Foi a maior queda na história das telecomunicações brasileiras. Para Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, especializada em telecomunicações, o responsável é o WhatsApp (não por acaso, o aplicativo começou, no mesmo período, a oferecer ligações em tempo real, transmitidas por 3G, 4G ou redes wi-fi). No trimestre seguinte, o número das operadores subiu um pouco, para 117 minutos médios, mas ainda está longe de retomar o mesmo patamar. A tendência é que o número continue caindo.
As ligações de voz sempre foram a maior receita das teles no Brasil, mas estão em queda. No sentido contrário, TV por assinatura e banda larga (móvel e fixa) estão crescendo em ritmo forte. Somados, esses três serviços desbancarão as chamadas de voz como a principal fonte de receita das operadoras brasileiras até o fim de 2015, algo inédito. Desde o fim da década de 50, quando as primeiras linhas telefônicas foram instaladas entre São Paulo e o Rio de Janeiro, eram as chamadas de voz que forravam os cofres das operadoras. As ligações fixas começaram a cair há dez anos, mas o crescimento das ligações móveis era tão grande que compensava. O equilíbrio durou até 2012, quando a voz móvel atingiu seu ápice e começou a cair.
No sentido contrário, ninguém cresce tanto quanto a banda larga móvel. Em 2009, serviços de 3G movimentavam R$ 5,5 bilhões no Brasil. No ano passado, o valor cresceu quase quatro vezes, para R$ 19,8 bilhões. Se mantiver esse ritmo (e tudo indica que manterá), 3G e 4G virarão a maior fonte de receita das operadoras brasileiras até 2020, segundo Tude. O Brasil segue os passos do Japão, onde a banda larga móvel, impulsionada por aplicativos como o WhatsApp, tornou-se líder em 2012.
Com o WhatsApp devorando alguns dos seus serviços mais lucrativos, as operadoras já sentiram o problema no bolso. No segundo trimestre de 2015, os lucros de Vivo, TIM e Claro despencaram. A queda nos minutos falados não é a única razão (há os custos da Vivo para assimilar a GVT, e da Claro para fazer a integração com Embratel e NET), mas ajuda a puxar para baixo o número. O da Oi foi o único a crescer, resultado de uma leve recuperada da crise que já dura mais de um ano na operadora luso-brasileira.
O aumento no pós-pago
Quem pode ajudar a frear essa queda? Ironicamente, apps que consomem banda larga móvel. Como os consumidores brasileiros, ávidos usuários de Facebook, Instagram e, claro, WhatsApp, precisam ter uma cota mensal alta de internet, muitos estão desistindo do plano pré-pago e partindo para o pós-pago. É uma mudança inesperada. Desde 1999, quando a Telesp Celular lançou o primeiro celular pré-pago do Brasil, o modelo caiu no gosto dos brasileiros. Como a Anatel obrigava a venda de celulares desbloqueados em 2011, era comum ter chips das quatro operadoras em smartphones multichip para ligar para amigos e família pelo menor preço. No ápice, há três anos, oito entre cada dez celulares no país precisavam de créditos para falar ou trocar mensagens.
O WhatsApp mudou isso – como tudo é canalizado dentro do app, independe se você é cliente da TIM e seu tio no interior de Goiás é da Vivo. Os brasileiros estão cancelando seus chips extras (só em junho foram 2,2 milhões desativados, recorde na história das telecomunicações brasileiras) e migrando para o pós-pago. Só em junho, foram mais de 463 mil novos consumidores que receberão contas no fim do mês. Hoje, 74,8% dos celulares no Brasil são pré-pagos. Nos próximos anos, o número continuará caindo e, na próxima década, chegará perto dos 65%, diz Tude. Operadoras tendem a se beneficiar, já que o lucro médio por usuário pós-pago é muito maior que do usuário pré-pago. Quanto mais pós-pagos, ainda que com planos mais baratos, mais lucro para as operadoras. O medo é que elas se transformem nas que apenas provêm a infraestrutura por onde aplicativos como WhatsApp e tantos outros farão sucesso no futuro, sem lhes pagar um centavo. É a mesma briga que elas travam com o Netflix em banda larga.
Para uma crescente parcela da população, faz cada vez menos sentido pagar por ligações. Ainda assim, é difícil hoje sair da loja de uma operadora sem um plano com alguns minutos atrelados à franquia de dados. Quem tenta flexibilizar esse processo tem colhido bons resultados. É o caso da Nextel. Após dois anos de crise, a operadora vem tentando recuperar espaço ao tornar mais simples a contratação de pacotes de dados. Consumidores escolhem uma opção entre três planos de voz (P com menos minutos, M com um pouco mais, G para o máximo de minutos) e uma entre três planos de dados (idem para GBs de dados). É possível trocar os planos mensalmente, diferentemente do tradicional contrato obrigatório de um ano, e a franquia mínima é de 2 GB, superior à de Vivo, TIM, Claro e Oi. Não à toa, o número de clientes 3G ou 4G da Nextel mais que dobrou em um ano (de 1.061 no segundo trimestre do ano passado para 2.258 no segundo trimestre de 2015). Mesmo com o crescimento, a base da Nextel continua pequena demais para torná-la uma ameaça às maiores. Ainda assim, o crescimento alimentado pela demanda do consumidor é um indício de que as operadoras, com a sua relutância, estejam só adiando o inevitável.
Apps próprios contra o Whatsapp
Sob o risco de perderem o chão que as sustentou durante tanto tempo, as operadoras ensaiam um revide. Nos próximos meses, elas deverão entregar ao Ministério das Comunicações (Minicom) e à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) uma petição na qual detalham os impactos econômicos e jurídicos das mensagens de voz enviadas pelo WhatsApp, segundo a agência de notícias Reuters. As operadoras alegam que são obrigadas a pagar à Anatel por cada número de telefone em uso no país, enquanto o WhatsApp, que usa o número como identificador, está isento. A ideia de uma ação judicial contra o app não está descartada. O governo está rachado na questão. O ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, defende a regulamentação do WhatsApp. Já o presidente da Anatel, João Batista de Rezende, declarou ser contra qualquer medida judicial que se oponha ao aplicativo. Ainda que ganhem uma possível ação nos tribunais, as operadoras terão de enfrentar uma briga ainda mais feroz no mercado: a da rejeição dos usuários do WhatsApp, frustrados com um possível bloqueio das chamadas de voz dentro do aplicativo.
O fogo amigo da TIM
Fica difícil imaginar que a petição irá muito longe, já que não existe, entre as operadoras, consenso sobre o perigo que o WhatsApp representa. Rodrigo Abreu, presidente da TIM Participações, assume o papel de “anti-Amos” na polêmica, com um perfil mais conciliador. “Tem de existir equilíbrio na possibilidade de crescimento para todo o setor. Não adianta privilegiar só o setor de infraestrutura, ou só o de aplicações e conteúdo – os dois têm de crescer de maneira equivalente, igualitária”, disse em evento do setor de telecom. Como a Claro, a TIM permite que seus clientes troquem mensagens e fotos pelo app sem gastar sua franquia de dados. Em agosto, a operadora italiana lançou um novo pacote chamado Turbo WhatsApp, pelo qual clientes pagam R$ 12 ao mês para trocar o que quiserem, incluindo as tão temidas mensagens de voz, pelo app. É evidente que, para a TIM, líder entre os pré-pagos no Brasil, o WhatsApp não é tão inimigo assim.
É o tipo de parceria que Genish rejeitou tão veementemente. Para o chefe da Vivo, o melhor caminho é investir em apps próprios. A Vivo já tem 88 aplicativos criados internamente e vem preparando uma nova geração de apps “com a migração de serviços baseados em SMS para aplicativos”, segundo comunicado da empresa. O mais recente é o Tu Go, que imita a interface do Whatsapp, mas permite o envio de mensagens só para quem já é cliente da operadora. Com uma estratégia semelhante, a Oi já oferece 25 aplicativos, como o Fale Fácil, que permite o uso da franquia de telefonia fixa para falar pelo smartphone. Juntos, os 25 aplicativos já foram baixados mais de 10 milhões de vezes. Os downloads do WhatsApp somam cem vezes mais. A Oi diz que seus apps “melhoram a experiência do cliente”, ou seja, trarão benefício só para quem já recebe uma conta da Oi no fim do mês. Pergunta: alguém que não é cliente procurará uma loja da Oi para assinar um contrato e usar sua franquia de telefonia fixa no Fale Fácil? Improvável.
Não há garantia de sucesso na tentativa de recriar o oponente (uma cópia do WhatsApp) na sua própria estrutura. Nem todos os aplicativos móveis criados serão lançados. E a maioria não chegará aos milhões de downloads. Há, porém, uma vantagem: diferentemente das startups, as operadoras têm dezenas de milhões de clientes para quem podem ofertar seus próprios aplicativos. Metade dos usuários da Vivo, por exemplo, usa pelo menos um dos quase 90 apps próprios. Esse alcance é o único ponto a favor. Contra, existem tantos que a missão ganha contornos de quase impossível. A principal é que o WhatsApp já está em mais de 800 milhões de mãos (ou bolsos) pelo mundo. Ferramentas mais avançadas não serão capazes de reverter essa penetração. Quanto mais gente usa um serviço, mais difícil é para os rivais destroná-lo.