04/07/2016 às 15h20min - Atualizada em 04/07/2016 às 15h20min

Juízes afirmam que mudanças na lei deixará mulheres desprotegidas

Os integrantes da magistratura reconhecem que existem falhas

No dia 22 de junho, os juízes Luiz Felipe Medeiros Vieira, presidente da AMAMSUL, Jacqueline Machado e Simone Nakamatsu (ambas de Varas da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher na Capital) estiveram em Brasília para tratar do Projeto de Lei nº 7/2016 que acrescenta dispositivos à Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, para dispor sobre o direito da vítima de violência doméstica de ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por servidores do sexo feminino, entre outras providências.

A preocupação da magistratura é que a aprovação deste projeto de lei precariza o direito ao trocar uma garantia jurisdicional por uma mera medida administrativa, já que a proposta permite a delegados de polícia a concessão de medidas protetivas de urgência a mulheres vítimas de violência doméstica e a seus dependentes.

Como a matéria é jurisdicional e o que está em jogo é um direito fundamental, o entendimento é que só pode ser restringido por um juiz e não por integrantes da polícia.

As alterações propostas no PL deveriam ser benéficas, contudo, o problema está na concessão de permissão a delegados para definir medidas protetivas de urgência, sob o argumento de que a justiça demora para conceder tais medidas. A mudança ofende a reserva de jurisdição do Poder Judiciário, contraria o princípio do juiz natural, o da investidura, o da indelegabilidade e isso significa que, na prática, tira das mãos do juiz a exclusividade de decidir sobre a liberdade e a restrição dos direitos de uma pessoa, dando novo poder aos delegados de polícia.

A juíza Jacqueline Machado, que responde pela primeira Vara de Medidas Protetivas do Brasil, na Casa da Mulher Brasileira, em Capo Grande, lembra que a Lei Maria da Penha, promulgada em 2006, foi a primeira lei brasileira criada para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, um marco na proteção de direitos negligenciados por anos e, quando não, esquecidos.

"Os direitos da mulher vítima de violência, renegados em seu grau de relevância no nosso panorama jurídico e social, eram tratados como meros desentendimentos conjugais que não raramente configuravam apenas e tão somente meros casos de polícia, resolvidos no interior do ambiente policial".

Questionada sobre o projeto que tramita no Congresso, a juíza explicou a razão de o art. 12-B ser considerado um retrocesso. "Tal alteração legal é claramente inconstitucional, na medida em que investe a autoridade policial, que constitucionalmente faz parte de um sistema diferente (de investigação policial e não de justiça), de poderes decisórios inerentes à competência exclusiva do Poder Judiciário. Tal criação inconstitucional de uma nova competência atingiria o direto de liberdade sem o devido processo legal, infringindo frontalmente direitos e garantias individuais estabelecidos na Carta Magna. Uma vez inserido um dispositivo inconstitucional na lei haverá um enfraquecimento do sistema previsto na própria lei, gerando questionamentos quanto à constitucionalidade de dispositivos já consagrados".

Ela ressalta que a justificativa para tal alteração é de que haveria demora na concessão das medidas de proteção pelo Judiciário, já que pela lei o juiz teria o prazo de 48 horas para analisar as medidas, ao passo que o delegado de polícia poderia de pronto deferi-las. Com calma e ponderação, Jacqueline elenca seis forte argumentos, porém, o mais importante é que a alteração da competência da esfera de decisão das medidas protetivas não representará mais eficácia da lei.

"Trata-se de medida ilusória, que pode inclusive acarretar maior risco à vítima, que sairia de uma delegacia simplesmente com o deferimento da medida de proteção sem que o agressor fosse intimado, gerando mera sensação de proteção. Isto porque é notória a falta de estrutura das delegacias do Brasil, que não têm agentes em número suficiente para realizar as intimações do agressor em exíguo prazo, o que levará a mesma situação esdrúxula e inadmissível que era comum antes da Lei Maria da Penha, quando a própria vítima levava a intimação ao agressor".

Os integrantes da magistratura reconhecem que existem falhas no âmbito do Judiciário e lembram que por certo também devem existir no âmbito policial. Entretanto, defendem que não é apenas mudando – de modo inconstitucional – a competência no deferimento de medidas de proteção que se dará mais eficácia à proteção às vítimas.

No entendimento dos juízes, a efetividade pretendida deve ser buscada com a exigência de investimentos na melhora estrutural e pessoal das delegacias, inclusive com a criação de mais DEAMS, com a regularização do plantão de 24 horas, o aprimoramento das investigações policiais e a conclusão dos inquéritos em prazo razoável, para que o agressor seja efetivamente punido.

Realidade em MS - Na capital de Mato Grosso do Sul existem três Varas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Em março de 2015 foi instalada a primeira vara no país especializada em Medidas Protetivas em favor das vítimas de violência doméstica e familiar, que funciona na Casa da Mulher Brasileira.

Na Vara de Medidas Protetivas, como ficou conhecida, atuam uma juíza titular, uma equipe multidisciplinar e um cartório integralmente aparelhado. Somente em 2016 já foram concedidas mais de 2.000 medidas de proteção.

"A partir do momento em que o pedido é enviado pela DEAM ao Poder Judiciário a medida é analisada no mesmo dia, no máximo, em três ou quatro horas. Na maioria dos casos, o tempo de demora para análise judicial é inferior ao tempo que a delegacia levou para enviar o pedido de medida. O Tribunal de Justiça também dispõe de plantão judicial de 24 horas nos finais de semana, com a análise das medidas de proteção no mesmo dia pelo magistrado plantonista", explica Jacqueline.

Importante ressaltar que a mesma vara realiza as audiências de custódia e, em caso de soltura do agressor, é este imediatamente intimado das medidas protetivas deferidas em favor da vítima. "Atualmente a DEAM tem inúmeros inquéritos não concluídos e estima-se que o montante alcance quatro mil, no mínimo, o que coloca em risco a vítima, já que sem inquérito sequer tem início o processo no sistema judicial", complementou.

Diante do quadro acima, o juiz fica sem qualquer informação sobre os antecedentes do agressor, o que pode resultar até na eventual soltura em audiência de custódia. "Por isso a necessidade de agilização dos inquéritos e também para que o processo judicial não fique inviabilizado pela prescrição, bem como a representação pela prisão preventiva em situações graves e de risco, principalmente quando a vítima já efetuou várias ocorrências, e nos casos de descumprimento das medidas de proteção".


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