22/02/2023 às 08h31min - Atualizada em 22/02/2023 às 08h31min

Suinocultor que investiu R$ 21 milhões em moderna granja em Glória de Dourados é destaque do Globo Rural

O produtor de leitões Celso Philippi Junior investiu R$ 21 milhões no ano passado na implantação de uma moderna granja em Glória de Dourados (MS) para 3.000 matrizes.

- GLOBO RURAL

O produtor de leitões Celso Philippi Junior investiu R$ 21 milhões no ano passado na implantação de uma moderna granja em Glória de Dourados (MS) para 3.000 matrizes. Ele afirma seguir normas europeias de bem-estar animal e atentar para a sustentabilidade ambiental.

A estrutura tem baias coletivas autolimpantes, gaiolas maiores nas maternidades, ambiente controlado com pressão negativa de ventilação, dosadores automatizadas de ração, tratamento de dejetos, produção de energia por biodigestores e placas voltaicas e captação de água da chuva. Do local, devem sair neste ano 100 mil leitões.

Agora, o suinocultor se prepara para outro investimento: com orientação técnica da JBS, empresa com a qual mantém contrato de integração, ele vai instalar até julho “brinquedos” para entreter os suínos no confinamento e diminuir o estresse comportamental dos animais. A introdução de correntes, pedaços de madeira, borracha, galões e mangueiras de plástico, tubos e outros apetrechos nas baias é chamada de enriquecimento ambiental ou segunda onda de bem-estar animal, técnica já empregada com sucesso em granjas da Europa.

“Suíno é muito curioso. Quando está sem fazer nada no confinamento, pode se tornar agressivo e morder o rabo do outro, por exemplo. Se o rabo sangrar, os outros animais vão morder também e aí vira caso de canibalismo. Se não separar e tratar o animal, ele pode até morrer”, explica Philippi Junior, que tem outra granja em Jateí (MS), com 2.400 matrizes e a produção anual de 84 mil leitões.

Ricardo Belotti, com a mulher, Kátia:

Ricardo Belotti, com a mulher, Kátia:

Ricardo Belotti, com a mulher, Kátia: "“Cheguei a perder uns 12 porcos por causa de brigas. Agora, o trato ficou mais fácil" — Foto: Ricardo Belotti/Arquivo Pessoal

Quem já entrou na onda dos “brinquedos” foi o produtor familiar gaúcho Ricardo Belotti, de Vespasiano Corrêa. Há um ano, ele decidiu deixar para trás os 25 anos como caminhoneiro e, junto com a mulher, Kátia, investiu em uma granja de terminação de suínos. O casal, também integrado da JBS, investiu R$ 1,5 milhão na construção de dois galpões para a produção de 8 mil animais por ano.

“Visitamos algumas granjas na região e vimos que dava para melhorar o trato dos animais com a implantação dos brinquedos. Usamos correntes, cordinhas e bolinhas suspensas para que os porcos controlem a agressividade. A troca dos ‘brinquedos’ tem que ser frequente porque eles enjoam e precisam sempre de novidades”, explica o suinocultor.

Belotti afirma que a técnica tem dado bons resultados. Os animais, que, antes, brigavam muito e se mordiam, ficaram bem mais tranquilos. “Cheguei a perder uns 12 porcos por causa de brigas. Os galpões ficam bem perto de casa e, a qualquer hora, ao ouvir os gritos, tínhamos que correr para a granja, jogar água e separar os animais. Agora, o trato ficou mais fácil.”

Os dois galpões da granja abrigam a cada 95 dias 2.000 porcos distribuídos em baias coletivas de 42 animais, que chegam com cerca de 27 kg e saem para o abate com 135 kg. Belotti segue as orientações de bem-estar animal e enriquecimento ambiental passadas em reuniões frequentes pela assistência técnica da JBS e recebe, além do valor de contrato por animal entregue, um bônus para ajudar a pagar o financiamento contraído na implantação da granja.

Satisfeitos com a mudança e dizendo conseguir rentabilidade no negócio, Ricardo e Katia Belotti vão investir mais R$ 2 milhões para dobrar o número de galpões.

Investimento

Suinos brincam com correntes dependuradas em granja. Adereço usado para acalmar e entreter faz parte de plano de manejo com bem-estar animal

Suinos brincam com correntes dependuradas em granja. Adereço usado para acalmar e entreter faz parte de plano de manejo com bem-estar animal

 

Suinos brincam com correntes dependuradas em granja. Adereço usado para acalmar e entreter faz parte de plano de manejo com bem-estar animal

Em Mato Grosso do Sul, Celso Phillipi Junior ainda não sabe quanto vai gastar para implantar os “brinquedos” sugeridos pela JBS, mas acredita que essa nova onda de enriquecimento ambiental seja uma forma de atender exigências de mercados internacionais. Em sua opinião, a técnica pode sim reduzir a agressividade dos suínos e os casos sazonais de caudofagia, canibalismo e problemas zootécnicos que acarretam perdas de produtividade, como aborto.

O produtor ainda não estimou os prejuízos dessa agressividade dos suínos em suas granjas. Mas há dados que dão uma ideia. Segundo a Embrapa Suínos e Aves, um estudo de 2016 feito na União Europeia mostrou que os custos associados a mordidas de cauda e orelhas atingiram 18,96 euros por animal agredido, o que equivale atualmente a, aproximadamente, R$ 95 reais. Essa perda compromete em até 43% o lucro por animal afetado. Além disso, o ganho de peso diário em suínos com mordida de cauda pode ser reduzido entre 1% a 3%.

De outro lado, implantar medidas de enriquecimento ambiental não sai de graça. Por exemplo, o programa “Heart Pig”, que aplica várias medidas de bem-estar animal na Dinamarca, apresenta custos de produção 7,9% maiores que os da produção convencional naquele país.

No Brasil, pesquisadores da unidade da Embrapa com sede em Concórdia (SC) estimam que a introdução de brinquedos nas instalações não representa o maior investimento das propriedades que adotam o enriquecimento ambiental. O que mais custa é o investimento em tempo de trabalho para gerenciar a manutenção dos “brinquedos”, o monitoramento mais próximo do comportamento dos suínos e o treinamento da equipe em boas práticas de produção com foco no bem-estar animal.

Em nota, o pesquisador Osmar Dalla Costa diz que qualquer modificação que aumente o conforto do ambiente, como a diminuição no número de animais por baia ou a instalação de ventiladores, já pode ser vista como uma ação de enriquecimento ambiental. Mas, na maior parte das vezes, o termo se refere mesmo ao acréscimo de objetos pendurados em algum ponto das instalações ou soltos no ambiente  que permitam ou estimulem os suínos a desenvolver comportamentos naturais, iguais aos que eles teriam se estivessem soltos na natureza, como fuçar, brincar e desenvolver laços de grupo.

Regulamentação

Suínos brincam com corrente em baia de granja. Segundo pesquisadores, itens dependurados são mais atrativos e duradouros na adoção de iniciativas de enriquecimento ambiental nos confinamentos — Foto: Ricardo Belotti

Suínos brincam com corrente em baia de granja. Segundo pesquisadores, itens dependurados são mais atrativos e duradouros na adoção de iniciativas de enriquecimento ambiental nos confinamentos — Foto: Ricardo Belotti

Suínos brincam com corrente em baia de granja. Segundo pesquisadores, itens dependurados são mais atrativos e duradouros na adoção de iniciativas de enriquecimento ambiental nos confinamentos — Foto: Ricardo Belotti

A introdução de “brinquedos” para os suínos também é respaldada por uma regulamentação recente. A Instrução Normativa número 13 (IN 13), publicada pelo Ministério da Agricultura em dezembro de 2020, estabeleceu as boas práticas de manejo e bem-estar animal nas granjas de suínos de criação comercial.

A norma prevê que “os suínos devem ter acesso a um ambiente enriquecido, para estimular as atividades de investigação e manipulação e reduzir o comportamento anormal e agressivo”. Além dos brinquedos para manipulação, o texto cita também como itens benéficos a oferta de estímulos sonoros, visuais e olfativos que aumentem o bem-estar dos animais.

Segundo a Embrapa, as experiências práticas com o uso de “brinquedos” para melhorar o bem-estar dos suínos em granjas comerciais têm focado, principalmente, na validação dos protocolos de enriquecimento ambiental. As práticas que estão sendo testadas neste momento possuem um pé na prevenção e outro na solução.

Ou seja, por um lado, a ideia é oferecer aos suínos, de acordo com cada fase de produção, elementos que diminuam os desafios do confinamento intensivo (monotonia, estresse, frustração, impossibilidade de expressar comportamentos naturais) e, por outro, estabelecer ações corretivas quando problemas como a caudofagia se instalam no rebanho.

Os conceitos aplicados na Europa recomendam que os elementos devem ser seguros (sem representar risco à saúde dos animais), “investigáveis” (passíveis de serem escavados com o focinho), manipuláveis (devem mudar de lugar, aspecto e estrutura), mastigáveis (podem ser mordidos) e comestíveis (de preferência, que possam ser comidos ou cheirados, com odor e sabor agradáveis).

Independentemente do tipo de suíno ou “brinquedo”, alerta a Embrapa, um dos grandes desafios na aplicação do enriquecimento ambiental é fazer o elemento introduzido nas instalações se manter atrativo aos suínos ao longo do tempo. Brinquedos fixos e suspensos mostram-se mais interessantes com o passar dos meses, ao passo que objetos colocados livres no chão perdem seu potencial de atratividade rapidamente ao se tornarem sujos.

Outra questão importante é o treinamento de quem vai aplicar o protocolo. “O produtor ou colaborador deve entender também que a presença dele dentro das instalações, observando e interpretando o que vê, é fundamental para que os protocolos de enriquecimento ambiental realmente funcionem”, afirma Osmar Dalla Costa, da Embrapa.

Bônus aos suinocultores

José Antonio Ribas, diretor-executivo de Agropecuária e Sustentabilidade da Seara, do grupo JBS, diz que as granjas integradas da empresa iniciaram a adoção dos conceitos de enriquecimento ambiental há cinco anos. Algumas usam também a música como solução de bem-estar dos animais. Atualmente, diz Ribas, cerca de 40% já operam no modelo de granjas enriquecidas, e esse número vem crescendo ano a ano, com incentivo da Seara.

“ Além, do ganho de qualidade de vida, que implica na melhora da performance do suíno, com menos brigas entre os animais e menos gastos com medicamentos, a Seara bonifica o produtor que adota essas práticas por meio de um checklist de remuneração”, diz ele.

Questionado qual o investimento do produtor, o executivo diz apenas que é muito baixo, considerando os benefícios. No caso das matrizes, a Seara orienta os produtores a usar tiras de borracha e correntes de metal, que os animais gostam de morder e o som é atrativo. Para os leitões, podem ser utilizadas bolinhas de borracha coloridas para ajudar na troca da dentição.

Ribas diz que a inspiração para o uso dos “brinquedos” veio da observação e posterior comprovação científica de práticas e experiências de produtores experientes, que apresentavam bons resultados com o uso destas medidas em meados dos anos de 1980 e 1990. “Eu mesmo, em minha época de extensionista, nos anos 90, já podia comprovar o uso e resultado das correntes como elemento seguro de entretenimento dos suínos.”

Outra empresa que informou ter assumido o compromisso de implantar o seu protocolo de enriquecimento ambiental, que inclui os “brinquedos” foi a BRF. A meta é ter as ações aplicadas em todas as granjas integradas até 2025. A Globo Rural procurou a companhia para obter mais detalhes do programa, mas não obteve respostas até a conclusão deste reportagem.


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