14/06/2023 às 10h41min - Atualizada em 14/06/2023 às 10h41min

Especialista em transplante de fígado, médico cria associação de apoio a pacientes

Gustavo Rapassi que desde 2022 atua no Hospital Adventista do Pênfigo (HAP) também defende orientação dos pacientes para que se evite o "extremo"

Médico da Santa Casa, Gustavo Rapassi, durante transplante - Divulgação

Estar um passo à frente para evitar que o paciente, por meio da orientação e conscientização, chegue ao extremo de necessitar transplante de fígado, e, se isso acontecer, haja a estrutura necessária para que as cirurgias sejam realizadas em Mato Grosso do Sul.  Essa é uma das metas do médico-cirurgião do aparelho digestivo, especialista em transplante de fígado, Gustavo Rapassi que desde 2022 atua no Hospital Adventista do Pênfigo (HAP), referência em atendimento a pacientes hepatopatas, no Estado.

Uma de suas ações é a criação da Fratello Transplantes, uma associação concebida para dar o respaldo às pessoas nessa situação, com informações e encaminhamentos para tratamento e realização de procedimentos cirúrgicos em outros centros. Dados (gerais) da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) indicam que, por ano, no Estado são necessários 169 transplantes de rins, 70 de fígados, 22 de corações e pulmões.

Em Mato Grosso do Sul, apesar de haver a captação de órgãos, não há como realizar os transplantes de fígado aqui, por falta de estrutura. Nesse caso, são encaminhados ao Sistema Nacional, que, por sua vez, distribui em todo território onde a necessidade é mais urgente.

Embora especialista em transplantes, Gustavo propõe estratégias para encontrar e ajudar as pessoas que necessitam de um tratamento adequado e em tempo hábil. Para ele, o conhecimento é um fator determinante.

Gustavo Rapassi

A  Fratello se propõe justamente trabalhar a educação tanto de pacientes como de profissionais da saúde, incluindo médicos em geral, e equipe técnica. Segundo ele, esse procedimento certamente ajudará no reconhecimento de sintomas que possam sugerir a necessidade de cuidados especiais ou mesmo o transplante de fígado.

Para auxiliar os profissionais, a associação já disponibilizou, em um primeiro momento, folders nas unidades de saúde, com orientações sobre como identificar suspeitas de doenças hepáticas.

Identificar as doenças antes que seja tarde

Evitar chegar a esse “extremo”  de transplante requer atenção tanto do médico como do paciente. É preciso ser consciente que algumas doenças como diabetes, hepatites B e C, esteatose hepática (gordura no fígado), podem causar a cirrose que, por sua vez, pode levar à necessidade de transplante, explica o médico.

A cirrose ‘’é um mal que tem sinais muito precoce, como plaquetas baixas, por exemplo, e que acabam passando batido’’, diz. Ele cita caso de paciente que hoje está na fila à espera do órgão e que há três anos vinha apresentando problemas e ninguém pensou na possibilidade de que seria a doença, até porque quando se fala em cirrose a primeira imagem que vem à mente é de um paciente alcoólatra.

Entretanto, apesar de ser sim um dos fatores que causa o mal, existem ainda outros  ‘’alertas’’ como  perda de hormônios masculinos, de massa muscular, ascite, que é a famosa ‘’barriga d’água’’, e encefalopatia,  que as pessoas levam muito tempo para associar que isso pode ser um problema de cirrose.

Gustavo Rapassi aponta essa questão como um dos objetivos para que as pessoas sejam capacitadas para identificarem a doença em fase inicial. Alerta, ainda, que o consumo de 14 cervejinhas por semana, por exemplo,  num período de 10 anos pode levar ao diagnóstico de cirrose, também.

Outro exemplo citado pelo médico é a esteatose hepática, mais conhecida como gordura no fígado, leve, moderada ou alta e que muitas vezes as pessoas falam que ‘’isso não é nada’’, só que a longo prazo ela pode virar cirrose.

Facilmente detectada em ultrassom de abdomên total por um profissional, deve ser tratada de imediato, assim como outras doenças, prevenindo e evitando, portanto, o ingresso do paciente na fila de transplante. “A questão é que temos de investir no cuidado do paciente. Então, a gente tem vários graus: evitar o caso da cirrose, fazer teste de hepatite C e de hepatite B. Eu acho isso fundamental. Se não, daqui a pouco nós vamos estar fazendo mil transplantes, e não estamos tratando de diabetes, de alcoolismo. Isso que muda a vida das pessoas. Não chegar a esse ponto extremo, ressaltou.

“O que a gente vê é que a cirrose vai de extremos e ela não perdoa ninguém. Então, o transplante é bom, é excelente, mas, a gente tem que saber cuidar das situações dos pacientes para que eles não cheguem a este ponto’’, afirma. Para isso, conforme voltou a enfatizar, é importante o treinamento de um profissional das unidades de saúde para ele saber que a pessoa precisa de tratamento da doença, tanto na capital, como no interior do Estado.

“Quero que ele saiba e fale assim: esse paciente tem alguma coisa de errado com ele, tem coisa errada com o fígado e ele precisa procurar um especialista. Se a gente não cria esse fluxo, será enxugar gelo sempre; sempre correndo atrás da doença e, aí, pode ser tarde demais. Por isso eu disse que nosso objetivo é estar um passo à frente. Nosso sonho, embora transplantador, é que as pessoas não cheguem realmente à essa situação. Minha ideia é assim: transplante é uma ótima arma, a gente vai manter ele sempre no nosso leque de ação, mas não se pode esperar a bomba estourar sempre. Deve haver, portanto, a conscientização, a prevenção’’, afirmou.

Hospital do Pênfigo

O médico-cirurgião Gustavo Rapassi iniciou seus trabalhos no Hospital Adventista do Pênfigo em 2022. “Em Mato Grosso do Sul nunca se fez um transplante de fígado e para montar uma estrutura são necessários milhões de reais”, disse. Conforme explicou, ele não chegou com imposições ou exigências.

Simplesmente apresentou ao hospital um projeto do ponto de vista assistencial. “Sou técnico. Não sou gestor. Para mim, o que vale a pena é poder atender os pacientes. É poder tratar os pacientes. Quando apresento meu projeto ao hospital é para mostrar a ele que financeiramente é viável. Não vai ficar rico, mas não vai dar prejuízo. E para o gestor político a gente mostra o ganho que ele tem com relação a isso, como a questão social e resolução em saúde pública’’.

Ponderou, ainda, que “transplante é um problema de saúde pública e que saúde pública é um problema da sociedade” e a sua estratégia vem para ser parte da solução.

A Fratello tem como meta agir em todas as possibilidades: “ Instrução dos profissionais de saúde para identificação das doenças; orientação dos pacientes na fase precoce, além de um trabalho massivo na questão de doação de órgãos, o que é muito importante’’, afirmou Gustavo. 

"Nosso objetivo foi estudar a realidade local, a de Mato Grosso do Sul, para ver se a gente suportaria um serviço de transplante. Isso, num braço e, no outro, preciso saber se tem órgão para isso. Porque não adianta achar paciente e não ter órgãos. Quando apresentei esse projeto, apresentei algumas opções’’, explica. "O foco é o transplante, mas nosso objetivo é tratar o paciente, independentemente da doença dele’’, frisou.

Fratello

Gustavo Rapassi afirmou que a associação trabalha para ter um ambulatório. A entidade está em fase de registro de pessoa jurídica. ‘’Uma vez acertado isso, vamos atrás de patrocinadores que possam nos ajudar. Tendo isso, vamos ter um ambulatório e buscar parcerias com a gestão pública. Porque o Estado, o gestor, tem, a regulação das vagas que é algo que alcança todos os municípios. Mesmo que utilizemos as redes sociais, não vamos alcançar como se pretende.

Então, o objetivo de contar com o gestor como parceiro é que ele possa trazer o paciente lá do lugar mais distante para que a gente possa fazer a orientação sobre a doença, sobre capacitar um pouquinho o médico que vai acompanhar, sobre como deve ser isso aí, além de dar mais capilaridade à divulgação desse trabalho”, ressaltou.

O médico também  salientou que reclamar não é do seu feitio, então, “é melhor  partir para a solução do problema. Por quê não podemos encontrar pessoas aqui em Mato Grosso do Sul que venham a se condoer da história de nossos pacientes e venham a ser nossos parceiros?’’, questionou.

Transplanete


Ao reafirmar a necessidade dos cuidados, o médico disse que ‘’as coisas têm de andar em paralelo. A gente nunca vai ter órgão para todo mundo, nunca. Esse é um problema que não é brasileiro, é um problema do mundo. A questão, portanto, é que temos de investir no cuidado do paciente’’.

Continuando, Gustavo Rapassi explica porque o trabalho é tão importante: ‘’Tenho paciente que ficou oito meses na fila; todo mundo passa por isso. Uns ficam três dias, outros, oito meses. Acontece. Se a gente não tem o cuidado com esses pacientes, cuidá-los na gravidade em que se encontram, eles não vão aguentar tempo nenhum’’.

Sorocaba

"Uma vez que sei que tem paciente, sei que tem órgãos, aí falta só o final. Também não adiantaria encontrar pacientes, indicar transplantes para eles e não mostrar a eles onde fazer. Porque ia morrer todo mundo em um mês. Então ia gerar estatística, e não ia gerar solução. Foi aí, então, que fiz parceria com Sorocaba. Faço ambulatório aqui desde janeiro de 2022 e desde novembro de 2021 eu faço a captação de órgãos e mando para o sistema nacional que vão para todos os estados. Nessa linha, já tivemos mais de 35 retiradas de fígado desde quando a gente começou’’, explica.

Afirma, também, que ‘’neste sentido houve um resultado muito satisfatório que foi  conseguir tratar todos os pacientes em tempo hábil. Dos 32 pacientes que a gente encontrou, tivemos dois óbitos na fila propriamente dita. E a gente conseguiu transplantar 16. Todos estão vivos. Então o que eu fiz: montei uma estrutura, com todas as dificuldades, Sorocaba está a mil quilômetros daqui, e a gente conseguiu oferecer solução para os problemas daqueles que a gente encontrou’’.

Doações: 1 vida salva 7

"Temos um slogan na doação de que uma vida salva sete: um fígado, dois rins, dois pulmões, um coração, um pâncreas’’, aponta Gustavo Rapassi. Porém, com relação a doação de órgãos, poucas pessoas são esclarecidas sobre isso, o que acarreta em negativas por parte da família. “Quando alguém tem um familiar com morte encefálica e lhe perguntam se deseja doar os órgãos, fica uma situação difícil pois, além da questão emocional do momento, a pessoa não tem conhecimento a respeito, tem dúvidas, ou, simplesmente  desconhece o desejo do paciente”. É reduzido o número de pessoas que já falaram sobre o assunto e perderam suas dúvidas ou se conscientizaram da vontade de um e de outro. A doação é uma forma do familiar daquela pessoa, se manter vivo de outras formas, afirma.

De acordo com Gustavo, não é necessário nenhum documento autenticando o desejo do doador, porém é extremamente útil a divulgação dessa decisão. Contar à família é essencial para agilização da captação dos órgãos e tecidos.

Também, acrescenta o médico, que seria interessante a divulgação constante a respeito da doação de órgãos. Apesar de existir o “Setembro Verde”, mês em que se intensificam as propagandas e eventos com essa finalidade, os números permanecem praticamente os mesmos. A cada dez pacientes com morte cerebral, apenas as famílias de dois manifestam desejo de doação. Para ele, o melhor e mais proveitoso seria uma intensificação contínua de informações para que haja uma conscientização e participação maior de toda sociedade.

Spoiler

Lançado em 2020 e exibido pela Netflix recentemente, o filme “2 Corações”, baseado em fatos reais, retrata duas histórias de amor que se desenrolam em décadas e lugares diferentes, porem se conectam de forma misteriosa e milagrosa. Vale conferir.

Serviço:

Pessoas interessadas em saber mais da Associação Fratello e que estejam dispostas a auxiliar entrar em contato com Micheli (67) 99805 - 8435


Link
Notícias Relacionadas »